DUAS CANHONEIRAS E UM LANCHÃO SÃO DESTROÇADOS NO RIO CAÍ

No dia 1º de Fevereiro de 1839 Bento Manuel Ribeiro destroça duas canhoneiras imperiais e um lanchão armado, no rio Caí.

 

Ilmo. e Exmo. Senhor

Em data de ontem me dirigi a V. Exa. comunicando-lhe sucintamente o resultado do ataque que empreendi contra as canhoneira imperiais nos 7 e 9 e o lanchão armado nº 2 na madrugada de 1º do corrente. Agora, porém, devo estender-me sobre os pormenores de tal empresa. Depois de uma marcha seguida de 9 a 10 léguas chegamos sobre a margem direita do Caí, e imediatamente se postaram duas emboscadas do 3º batalhão, que rompeu o fogo mais vivo, entretanto que se colocava uma peça de artilharia sobre a barranca comandada pelo tenente França, havendo se colocado outra mais abaixo sob o comando do tenente Bento Gonçalves (¹) para impedir a retirada das canhoneiras no caso que isso tentasse, mas que logo veio secundar o fogo da outra peça. O inimigo não deixou de fazer-nos bastante fogo, porém não puderam sofrer a bravura irresistível de nossos soldados, e precipitadamente abandonaram as embarcações, lançando-se ao rio ganhando a margem oposta. A maior parte da guarnição pereceu no fogo, escapando-se apenas 8 ou 10 a pé pelo mato. Foi morto o comandante da canhoneira nº 7 (²) e ficou prisioneiro o comandante da canhoneira 1º de fevereiro (³) (outrora nº 9) inclusive 10 feridos, e passando-se dois. O lanchão trazia 2 morteiros, um de ferro e um de bronze de calibre 3. A canhoneira nº 7 tinha dois rodízios, um de bronze, outro de ferro, e a canhoneira nº 9, uma peça de 9 reforçada em 12 e uma columbina, e mais 3 escaleres. Ficou-nos imensa quantidade de pólvora, e 620 tiros de artilharia, sendo a maior parte de metralha; uma porção de cartuchame e perto de 50 armas de infantaria, não mencionando vários outros objetos que pouco interessam. Os feridos inimigos os fiz seguir para Porto Alegre, e o comandante da canhoneira nº 9, que é filho do marquês de Inhambupe (4), como o encontrasse mui abatido e choroso, me compungi do seu estado lastimável, e o soltei, dando-lhe passaporte para aquela cidade, certo de que V. Exa. me desculpará este ato de filantropia e humanidade. A canhoneira nº 7 ficou mui esbandalhada do fogo de artilharia, fazendo água por toda a parte, apenas nos deu tempo para tirar a pólvora, indo depois ao fundo com uma peça, tendo-se salvado outra com muito trabalho: a dita canhoneira fica no mesmo lugar, isto é, no Passo do Contrato, e presumo que o inimigo não se atreverá a vir buscá-la. As outras embarcações as fiz seguir pelo Caí acima até onde possam ficar sem risco de serem tomadas. Acho mui acertado que V. Exa. mande algum oficial de Marinha e marinheiros tomarem posse delas, pois ainda nos podem servir de muita vantagem; compor-se a outra, e conservarem-se neste rio, até que em uma ocasião favorável possam ganhar o Guaíba, e subirem por ele acima. Nesta jornada toda a tropa se conduziu o melhor possível, como mostro na ordem do dia junta por cópia, que V. Exa. se dignará mandar imprimir no jornal da República. A nossa perda foi de 2 homens mortos no fogo, 2 depois de feridos, e 8 feridos levemente, inclusive um oficial do 3º batalhão.

Deus guarde a V. Exa.

Quartel-general no Passo do Pesqueiro, 2 de fevereiro de 1839.

Bento Manuel Ribeiro

 

Ilmo. e Exmo.
Sr. General Bento Gonçalves da Silva, presidente da República

 

 (¹) Filho de Bento Gonçalves da Silva, presidente da República Rio-Grandense.

(²) Primeiro-tenente Antônio Dias dos Santos Bélico.

(³) "Primeiro de fevereiro" foi o nome que os Farroupilhas, aliás, Bento Manuel Ribeiro, deu à canhoneira nº 9, que passou, depois, a servir na Marinha republicana por algum tempo.

(4) Marquês de Inhambupe - Antônio Luís Pereira da Cunha. O filho, de que fala Bento Manuel, era o então primeiro-tenente Manuel Luís Pereira da Cunha, que se tornou um dos maiores heróis da campanha contra o governo do Paraguai, da Marinha imperial.

 

  Baseado no livro "A Revolução Farroupilha", de Walter Spalding.